domingo, 11 de dezembro de 2016

Solar noturnal

Mesmo que densa seja a tempestade
Sigo ainda, pois sei que após as nuvens há o sol,
Mas ao abrir-se para mim, não há raiar:
O olhar que sobre mim se lança, 
Enegrecido como luar taciturno
É esguio como são meus pensamentos ao fitar,
Trêmulos, são varridos até a encosta
Onde afogam-se nos medos,
Bebem da dubiedade daquilo que meu próprio coração sente.

Pois aquele que partiu meu coração em dois,
Duas partes iguais, uma para cada um de nós,
Parte distante agora, apartado de qualquer lembrança,
Depois de aproveitar-se de minha bondade
E do sangue meu, que tão roubado fora,
Até não restar muito de mim:
Nas costas, as sombras do que eu era,
Nas mãos, as cicatrizes que não se fecham,
Nos olhos, a indiferença que acinzenta meus dias
E no peito, não mais que uma fenda vazia.

Ah, como tento, cegamente, buscar pelo teu cheiro!
Mas tudo que posso sentir é o odor de paixões olvidadas
Como camélias abandonadas
Que, podres, mortas, ainda assim o exalam!
O sardônico perfume da vergonha!
Como quisera eu esquecê-lo,
Mas, como que por tortura, em tom de deboche
Trazem até mim o insuportável cheiro,
Anunciando o funeral do que um dia chamei de sonhar.

Prezo, assim, pelo mesmo fogo que incinerou-me por inteiro:
Pois o mesmo fogo que em cinzas tornou minha esperança
Pode trazer de volta à vida aquela que já não mais existe,
E, de uma vez, poderei dizer,
Que em teu olhar reflete meu sol.