segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Caminho


Ah, amor meu!
A quem meus olhos são devotos
Em cada singelo segundo,
Como bosques verdejantes em dia de chuva,
Que escorrem, tentando te alcançar,
Como tenta no céu a Lua encontrar o Sol,
Soubesses tu das noites escuras que a mim entristecem profundamente,
Soubesses tu das bestas que vagam, vorazes, em meus pensamentos
Repousarias ainda tuas delicadas mãos sobre as minhas?
Repousarias teus doces sonhos ainda sobre meu coração?
Pois tu, que és a luz que pela janela adentra,
Florescendo dentro de mim, a crescer,
Como a mais bela flor que do orvalho se cobre,
Tu és o que há de mais iluminado sobre mim,
E partido seria meu coração se à tua nobre luz minhas sombras cobrissem.
Que seria de meus jardins, sem teu sol para animá-los?
Que seria de meus sorrisos, sem ti para encantá-los?
Tortuosa é a estrada, meu cavalheiro, que à frente se mostra
E meu coração, dividido em pedaços, é trôpego e hesita,
Pois meus sonhos voaram para longe, enquanto meus pés se fincam ao chão
Mais e mais eu me afundo,
Mais e mais eles se afastam,
Tortuosa é a estrada, meu cavalheiro!
Mas se tenho a ti ao meu lado, o caminho é florido,
Há cores, há brisa fresca, há pássaros em sinfonia!
Como podes, meu nobre, com um simples gesto de tuas mãos
Ser capaz de avivar em mim o que já não mais respirava?
Como me consome o medo!
Como me preocupa a dor!
A rosa que te ofereço pode tua delicada pele ferir,
E como viveria eu com a culpa?
Mesmo que minha vontade desconheça este caminho,
Como me amedronto, amor meu!
Pois a teu semblante desejo atribuir apenas a suavidade do teu amor,
Que dia e noite me acorda gentilmente
E em meus sonhos me guarda tão bem.
É para ti que são meus sonhos!
Como posso ainda me torturar ao olhar para trás,
Se ao meu lado existe o que há de mais gracioso?
Como posso ainda recuar diante do amanhã
Se o que há hoje me recobre de luz, me alimenta a alma?
Pois foi quando dançaram nossos corpos,
Quando meu coração gritava teu nome em amor,
Quando as mãos se uniram e as almas se abraçaram
Foi neste momento que pude ver, tão claro quanto a luz de teus olhos:
O caminho que houver de ser, para onde se desenrolarem as histórias,
Será de todos o mais lindo se meus olhos encontram os teus.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Carta ao louco

"Vejo que tem melhorado. É realmente ótimo vê-lo em estado tão bom, com tanto brilho nos olhos. Fico imensamente feliz que esteja deixando os vícios, que consiga pouco a pouco se livrar dessas substâncias. Vê-lo sair desse cubículo abafado é imensamente gratificante, pois sei que o tratamento tem sido efetivo. Você sabe, eu tenho o estudado por muito tempo. Durante algum tempo, antes de atendê-lo, eu o observei, você sempre foi aquele que mais me chamou a atenção. Entre todos, você parecia o mais inquieto, o mais impetuoso. Seus impulsos, suas vontades, seus instintos... Como poderia eu sequer entender o que você estava fazendo ali? Santo Deus, o que fizeram!? Os outros nem sequer podem ser comparados a você -e no entanto, ali você estava, no meio deles. Era completamente inadequado. Mesmo em meio a tantos corpos cinzentos, moribundos, sem vida, você sempre esteve radiante. E como poderia eu ignorá-lo? Eu já não atendia mais casos particulares. Já não era de meu feitio atender um a um, escutando pacientemente, refletindo sobre tudo, aquilo me deixava exausto. Eles nunca me escutavam, de qualquer maneira. Eram como rebeldes que simplesmente entravam em meu consultório para tirar as coisas de lugar, danificar meus pertences e me deixar com uma grande dor de cabeça no final do dia. Acho que no fundo, eu que nunca soube lidar com isso. Então, eu só ficava ali, observando de longe, pronto para dar assistência quando a primeira emergência surgisse. Mas você, era inexplicavelmente fascinante como meus olhos nunca poderiam sair de sua direção. Eu já nem mesmo cumpria minha função direito. Pedi que lhe trouxessem até mim, então. Eu já tinha observado o suficiente. E era esplêndido, de fato, incrível como você se expressava com tamanho brilhantismo. Seus olhos resplandeciam como estrelas cadentes, a voar aqui e ali. Suas palavras eram como nuvens voláteis em uma ventania repentina. Sua mente, sua alma e seu coração transpareciam através das suas ideias. Tem sido deveras deleitoso assistir você. Pela primeira vez, não me sinto ameaçado em meu próprio consultório, esperando o primeiro surto a qualquer momento, onde eventualmente eu sairia com minha integridade física ameaçada. Pelo contrário, sinto como se atender você refrescasse os dias quentes de um verão, ou aquecessem uma ventania cortante no inverno.  Os chás são sempre mais saborosos e menos amargos em sua companhia. Você é brilhante, porque a sua loucura é diferente. Não -você não é simplesmente louco. O seu diagnóstico, ouso dizer que é preciso e certeiro: você é livre. Livre dos medos, das amarras, do que pensam os outros. Você voa, mergulha, corre e dança como bem quer, com sua própria música, no seu próprio tempo. Como puderam eles te prender? Sinto muito que houve tanta negligência anteriormente, mas, meu caro paciente, o seu tratamento deve ser um só: a liberdade. Sim, a liberdade, pois não é o veneno da cobra também a base do antídoto? Esse mundo é completamente seu, e você não merece menos. Mas antes, meu caro, eu tenho algo também a lhe acrescentar. Ao lhe observar, tenho percebido também que, como você mesmo havia pontuado, todos temos, leve ou gravemente, certo grau de loucura. Você conferiu a mim uma liberdade que nunca antes eu pude sequer saber da existência. Me apresentou a impressões que jamais eu sequer pude sonhar ter. Mas, meu caro, sendo a liberdade um diagnóstico, temo que não se descobriu ainda a cura. O tratamento há de ser diário, e a alta nunca vai acontecer. Pois bem, o questiono... Esse consultório de nada mais me serve se sou tão louco quanto a quem atendo, e, assim sendo, se importaria de somar sua liberdade com a minha -melhor dizendo- se importaria de dividirmos nossas loucuras e todos os dias ser livre junto a mim?
Sinceramente,
o Doutor."