quinta-feira, 30 de março de 2017

Meu querido Chevalier

"Meu querido Chevalier, a noite está linda. Queria que pudesses ver a lua cheia como a vejo daqui. Onde quer que estejas, será que a vês tão bela quanto eu? Ah, como me agrada o luar brando a tocar em minha pele!
Pele! Lembro-me dos arrepios que me causavas quando dizias a meu ouvido "Somos só eu e tu esta noite, Claire". Ah, como queria ouvir de tua boca de novo essas palavras! Mas andas tão calado... Espero que não tenha sido por causa de nossa última briga. Amo-te, meu querido, mas por favor, entende, não sou eu a mulher que se abranda diante dos homens. Sei de meu poder, e teu comportamento recente tem sido a desordem de meus nervos.
Nervos! Uma pilha deles! Ah, desgraçado! Com semblante tão lindo, mas tão desgraçado! Como pudesses, Chevalier, ser capaz de me largar no meio da noite, achando que eu nunca descobriria? Dizia não estar com ânimo para deitar comigo, que o trabalho o esgotava, mas eu espiava, enquanto fingias dormir, o que fazias comigo. E lá estava eu, escondida, a te perseguir no meio da madrugada, para descobrir que estavas em meio àquelas mulheres, cujas bocas, ao que tu debochavas de minha lealdade, riam-se em vermelho sangue!
Sangue! Parecia jorrar-me sangue da garganta quando a vontade de gritar me rasgava por dentro. Mas não podias descobrir que eu estava ali. E me diz, querido, foram proveitosas essas noites? Pergunto pois eu mesma não me atrevia a ficar nem mais um segundo ali. Corria de volta para meu aposento e gastava o resto da noite em prantos. No dia seguinte, querido, lembra-te de me ouvir dizer que não me sentia bem e por isso precisava me recolher para repousar? Tua consciência não chegou a pesar por um minuto sequer? Pergunto pois sempre foste um homem forte, mesmo a consciência mais pesada não seria problema para teus rígidos músculos.
Músculos! Ah, como me enlouquecia quando os sentia, naquelas noites acaloradas que costumávamos ter antes de tudo, lembra-te? Meu toque era todo teu, e eu, entregue completamente aos teus encantos. Éramos como um quadro -não, uma escultura!- daquelas que eternizam um grande amor, como Psiquê e Eros. Ah, como me envolveram os teus braços naqueles primeiros dias! Observava pela tua janela apenas por mera curiosidade. Chegaste a pensar que eras louco quando vislumbravas a mim, e logo em seguida eu desaparecia, não é? E vieste atrás de mim, como quem persegue uma visão. Fomos felizes juntos, até voltares contra mim o gume da mentira. E quando me seguraste pelo braço, lembro-me que a primeira coisa em que reparei fora teu maxilar. Tão esculpido! Como poderia ser tão detalhadamente esculpido, como uma própria obra de arte, um simples osso, simples parte de teu esqueleto?
Ossos! Duros, frios, mas que me envolviam, de certa forma. Teu olhar me petrificava. Não pude resistir, Chevalier. Eu já estava mesmerizada em teus encantos. Ah, como o amei. Ah, como o amo! Mas ainda assim, com todo meu amor, com todos meus cuidados, foste atrás de outras! Como podes ser tão ingrato? E como posso eu ser tão tola de ainda te amar, ainda vislumbrar teu rosto tão belo, que escancara essa enorme traição? Como posso eu ainda sequer querer de ti algo que não posso ter? É o que pensarias, provavelmente. Mas, querido Chevalier, eu não sou o tipo de pessoa que espera as brisas passarem e arrastarem consigo as flores da primavera até que o inverno seja frio e seco. Eu sempre consigo o que eu quero, não era o que me dizias quando cedias aos meus charmes? Não dizias que eu tinha com um só sorriso disfarçado a chave do teu coração?...
Pele, nervos, sangue, músculos, ossos... Ah! Aqui está! O coração! Escondeste muito bem, querido, devo admitir. Teus ossos eram deveras rígidos, tive dificuldade de rompê-los. Mas aqui está, em minhas mãos, tudo que eu queria de ti. Teu coração. Ele não pulsa mais? Não dizias que ele se acelerava ao me ver? Creio que não tenha mais tanta utilidade, sendo assim. É uma pena, querido, desperdiçar o meu tempo com isso. Mas ao menos o teu coração sempre foi sincero às próprias vontades e nunca precisou sustentar mentiras. Ao menos o teu coração terá um descanso apropriado junto ao da tua amada que havia te roubado de mim! Quanto a todo o resto, deixo exposto, afinal, o doavas a qualquer outrem que não fosse a mim, não é? Que os abutres façam bom proveito de tua carne dura e frígida, então."

segunda-feira, 13 de março de 2017

Zephyrus

Guia-me
E me leva por onde tua brisa for
Me leva leve,
Me venta e me inventa,
Reinventa o meu viver
E envivece minha alma com teu sopro
Faz florescer o pensamento meu,
Leva para longe o que me prende os pés,
Sopra gentil em meus ouvidos as respostas
Quando confuso estiver
E quando a alegria me visitar,
Que dance comigo ao luar,
Sopra teus cuidados ao teu filho,
Acaricia os meus cabelos
Como faria a Primavera
Após esperá-la, deitado em sua terra
Durante o longo e frio inverno,
Sopra a chama que acende
E ascende a alma minha
A leva aos céus, quero tocar as nuvens,
Gentilmente abraçá-las até que esvaeçam,
Atravessá-las até que seja uma delas
E descobrir em cada sopro dentro de mim
Os jardins que nem eu mesmo conhecia,
Os céus que diante de mim se estendem
Somente na tua presença
Sopra o meu caminho pelo Oeste
E cobre de folhas verdes o meu corpo,
Enfeita com flores os meus cabelos
E mesmo na chuva e na tempestade,
Quando frio é o vento
Hei de me erguer em teu nome
E oferecer a ti as honrarias que de mim partem,
A gratidão, doce fruto,
Que ofereço aos pés da grande árvore
Será singelo símbolo de minha afeição
E falem as línguas, julguem os olhares,
Tendo em mim a tua presença,
Tendo em mim a luz da Lua
E tendo em mim a energia
Seguirei pelos ventos
Regido pela primavera
Pois eu, o filho da Lua,
Sou a mão de meu próprio destino.