quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Em Branco I

     Tudo começa em branco. Absolutamente todas as coisas que hoje existem ou já existiram passaram pelo clarão da criação. E a criação a que me refiro não diz respeito ao divino. Esta tende a despertar outras dissertações, distantes da que tento trazer para o aqui e agora. A criação própria, o momento em que passamos a existir não para o mundo, para a sociedade, para a natureza ou qualquer outro âmbito, mas para nossas próprias percepções. Antes disso tudo é branco. No vazio não há escuridão ou luz, bem ou mal, certo ou errado, próximo ou distante. Todas as essências se misturam em uma só, em branco. O branco diferente do que conhecemos, o branco que não emite luz, que não fere aqueles de visão mais sensível. O branco da inexistência, onde nem mesmo o próprio branco, de fato, existe. E não há movimento ou repouso, tudo é, em sua essência, o nada. Uma página em branco pode desenvolver-se em diferentes existências de acordo com a mão que a modifica. Mas tudo começa com uma mínima alteração. Por curto que seja o período, tudo começa a existir aos poucos, pequeno, ínfimo. Mas é a partir da pequena mudança que o clarão da existência rompe, quebra, explode em todas as suas possibilidades, deixando para trás tudo que havia até então se misturado no grande branco, aos poucos e separadamente, desintegrando-se em suas infinitas nuances, em suas mais variadas formas e tamanhos, cada pequeno pedaço de essência passa a espalhar-se pelo branco, tomando seu espaço, e misturando-se novamente até que tudo se torne branco mais uma vez. Aqueles que são capazes de enxergar o desdobramento das essências da vida são iluminados pelo dom de senti-las ao máximo. A virtude, porém, pode tornar-se letal para aqueles que permitem que as essências mais peçonhentas predominem em seu branco. E sobre uma folha em branco, uma mão inquieta procurava, em vão, capturar alguma essência momentânea para transformá-la em matéria.
     Algum tempo já havia se passado em seu quarto, e o sol já ia terminando seu trabalho. Com um suspiro, Alan levanta de sua cadeira, silenciosamente, recolhendo-a de volta para a escrivaninha onde antes se encontrava compenetrado em suas próprias divagações. A passos lentos e cuidadosos, passava pela porta e após um curto corredor, sentava-se à escada, observando a janela que havia a sua frente. A janela, vasta, era contornada por madeira maciça e não havia meio de abri-la, Alan costumava tê-la como um quadro real, vivo, no qual com a própria vida poderia pintá-lo. O céu, que aos poucos se entregava a tonalidades mais escuras, deixava sua luz difusa entrar pela janela, e as cores avermelhadas cobriam as paredes e o rosto de Alan. Seus olhos curiosos indagavam a própria visão, olhando através da janela, procurava por qualquer pequena essência que pudesse captar e trazer à tona os corredores de sua existência por onde jamais havia sequer imaginado andar. Alan, que vivia sua juventude, sempre foi alheio ao mundo e às suas definições e diálogos. Não por escolha, por comodidade ou qualquer outra definição, pois, repito, Alan estava longe delas. Não pode-se dizer que era, exatamente, diferente dos outros, mas havia algo em Alan que fazia com que toda essência fosse captada por ele, e transformada em palavras, melodias, cores. Nunca havia despertado real interesse em pessoas, atividades ou ofícios. Sobre suas paixões, não lembrava-se de rostos, mas de nuances, aromas, sensações,  horizontes vastos e que continham, por si só, toda sua história e sua existência. Lembrava-se de essências. Não podemos, também, dizer que Alan criou um mundo próprio, onde se perdeu para fugir da realidade. Não havia realidade da qual quisesse fugir. Não havia um mundo particular que tivesse criado. Em verdade, Alan era a essência que estava para ser descoberta no branco de sua própria existência.