domingo, 29 de dezembro de 2013

Ao presente futuro

Esperança
Uma dose a mais de esperança
E um olhar que ao céu se lança
Em busca da estrela que chame por meu nome
Em busca do improvável que se alcança
Em busca daquilo que à própria existência some
Para que união seja unidade singular. 

Uma dança
Uma esperada e honrosa dança
Nos abismos de nosso viver
Em teus olhos enxergaria a brisa mansa
Em teus olhos, fontes de segurança
Em teus olhos, meu olhar de criança
Porque só existimos um ao outro - não há mais nada que se possa ver. 

O teu riso
O teu puro e luminoso riso
Acalentado em cada gesto teu
Em teus braços nasce meu riso
Em teus braços, asas para voar
Em teus braços, o frio que se aqueceu
Como um clarão no escuro ao luar.

Um sonho
Um perdido sonho
Trôpego nas incertezas do mundo
Em minha alma tudo é sonho
Em minha alma, mar profundo
Em minha alma, cais seguro
Pois densa é a tempestade lá fora
Pois o sol por esses lados demora
E o medo por aqui ainda mora.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Um céu para admirar

Eu ouvi os céus me chamarem
As nuvens cantaram para mim em doces tons
O vento me acariciava,
Me incentivava,
Chamava meu nome com delicados sons.
Eu senti os meus pés flutuarem,
(Ou pelo menos imaginei)
Senti meus olhos brilharem
Enquanto devoravam a imensidão azul
E sonhavam incansáveis percorrendo o horizonte
O sol me sorria e pintava meu rosto de dourado
Tirava o cinza que cercava inconformado,
Dava esperança aos sonhos quebrados.

Eu vi o céu me tirar para dançar,
Mas quando pensei em me levantar
Caí em mim mesmo, caí ao chão,
Caí, quebrando meus sonhos de paixão,
O céu se fechou sobre mim,
O cinza cobria, parecia não ter fim,
O vento gritava violento e me agredia,
Meus olhos pesados desciam à terra
Como alguém que pede o fim de uma guerra
Suplicando pela paz ou pela solidão,
O sol se despedia e não olhava para trás
Esfriava-me o coração, sem pedir perdão,
Jogando contra mim mesmo minha perdida ilusão.

Não posso voar, ao menos por enquanto
Mas enquanto o chão for meu lugar
Ergo aos céus um lenço branco
E por mim, sem destino, ele há de voar.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O vazio que cerca

Ao meu redor, tudo que eu vejo é o nada.
O que há ao meu redor?
O que me cerca e me amedronta?
Qual atroz verdade me confronta?
Talvez seja o nada um pormenor,
Uma desculpa de alívio para o que me afronta,
O que pisa em meu penar e então deserta,
Deserto é meu mundo, fundo em seu próprio desgosto
Afundo em mil pensamentos.

Solto, como uma folha no vento,
A voar sem direção certa, ou em direção ao relento,
Graciosa e tragicamente se perde nas ruas de um vazio,
Onde escura é a noite, onde o sol é frio,
Ingenuamente se faz presa aos olhos que vorazes, sedentos,
Devoram o conforto, e perde-se em sofrimento.

Leva, vento, leve,
Sopra o peso de minh'alma
Dá sossego à inquieta tempestade,
Torna brisa a ventania que desola,
Torna verde o solo infértil,
E permita que em sete cores possa sorrir a felicidade,
Que o enegrecido céu seja tão só a perecível saudade
Que ao sorrir de um destino de volta à ingenuidade
Faça-se brilho daquilo que se perdeu em opaca insanidade.

Ao meu redor... Há espelhos ao meu redor
E eles me observam, frios e covardes,
Escarnecem e viram-me as costas,
Malditos, os reflexos que me deixam só,
E somem, à espreita, sem alarde,
Por entre o escuro das dúvidas corrosivas
Que aos poucos consomem as entranhas de minha vida.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Submersa ilusão

A sombra
De uma nuvem que passou
Assombra
Desolada, efêmera,
Penumbra
Que segrega, se alimenta,
Devora meu lar, meu conforto,
Me prende e me arrasta,
Me questiona, sedenta,
Me engole e me acoberta
De breu, solidão
Cuja companhia acalenta e violenta,
Agride, mas acaricia,
Bela e ingênua, fere e pisa,
Engaiolado no peculiar,
No quase êxito, na possibilidade que não foi,
Sucumbe o meu existir
Nos mornos escombros do que já foi,
A luz indecisa, submissa,
Esvaece aos poucos, clama por abrigo,
Em sua última dança
Leva seus joelhos ao chão
E no leve desespero, estranha paixão
Vê a si mesma refletir na escuridão
De um brilho no olhar, de um brilho
Um brilho só, que acolhe,
Um brilho que estende a mão,
Um brilho que é só dele, e nada mais,
Um brilho incomum, que brilha,
Se humilha e se perde no sonhar
E a saída, almejada e calejada
Já não é mais seu salvar.
Silêncio, silêncio e nada mais,
Talvez esteja em mim mesmo a tão sonhada paz.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A chuva, o irreal

O céu escuro sobre mim
O céu escuro dentro de mim
O vento que balança o vazio em mim
...E na janela, a chuva lá fora.

Me perco em caminhos enevoados,
Me encontro, vagando pelos meus pensamentos,
Vazio, como uma flor sob o asfalto solitário,
Único e inseparável, longe de qualquer sofrimento,
O nada, o inexistente que me excita
...E na janela, a chuva lá fora.

A face incontida estende sua mão até mim
E some por entre a noite sem fim
Prossigo, sempre, meus passos são de conforto,
Meus olhos enxergam o que inexiste
E vaga nas esquinas de um devaneio qualquer
O onirismo me busca, me quer,
E alado vou na direção de um sol enegrecido,
E alado vou, dou-me por vencido.
...E na janela, a chuva lá fora.

Nada mais se faz perceber pelos sentidos
Tudo se dissolve em um breu, o destino,
A direção, o sentido, resulta do sorriso,
O vento que me carrega, a nuvem de concreto,
O impacto, o choque, os movimentos que cessam,
A consciência plena, o ardor de sonhar,
A confusão, o irreal, o surreal que abriga,
A luz do farol que cega e distancia, o incerto,
O mar que debate e se debruça sob o cais,
O tudo para trás, o nada mais
...E na janela, a chuva lá fora.

A queda, o declínio de sonhar,
A lamúria de perceber-se real,
A quietude, o reservado pensar
...E na janela, a chuva cessa.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A ele, a ti, a nós ou a mim mesmo


Sinto pulsar - 
Mas por que pulsa?
Sinto pausar - 
Mas por que a repulsa?

Um passo para trás e vou de encontro ao abismo,
Um passo para frente e o medo do desconhecido,
Para os lados, espinhos por todos os lados,
Onde o mundo começa, o mundo termina - 
Mas por que a destruição, rapaz?
Por que não buscas em ti mesmo tua paz? - 
Ora, soubesse eu quem seria ou queria ser,
Talvez na inquietação de algo a se romper,
Um caos que desnorteia e me faz esquecer
Daquilo tudo que antes girava o mundo
E me tirava do chão por segundos.

Voar - qual o sentido de voar?
Para que asas, se não és capaz de te guiar? -
Não! Quero distância de ti! - 
Não digas isto, tu fazes parte de mim. - 
Parte indecisa e destruidora!
Torna ao teu mundo, torna ao submundo,
Que vens a fazer aqui? Tua aura não me é acolhedora!

-Deixar-te, deixar-te ou não deixar-te?
Ora, torturam-te meus pensamentos?
Tortura-te saber que os meus são também teus?
Deixar-te-ei, porém, com a promessa de regresso,
Ainda hei de ver teu riso ao perceber o meu retrocesso.
-Progresso, o que é o progresso?
O que é viver quando há uma sombra a te perseguir?
O que é a paz quando eles vivem a me perseguir?
Quem são eles? -Somos quem somos.
Somos aqueles que por ti já fomos.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Dilaceração multipolar


Vede!
A ninfa dos olhos negros me observa friamente
Suas sombras me consomem,
Seu riso perturba minha mente,
Seu canto medonho me faz contorcer,
Deixa-me! Livra-me de teu escurecer,
Óh, nuvem de distorção,
Livra-me desta perturbação!

Na mão direita uma adaga,
Na esquerda o ouro,
Mas a ameaça me amedronta,
Inconsequente e ingrata
Retira-te de meus olhos,
Faz de invisível este que te confronta
E quem sabe na paz
Ou aos pés de um cais
Possa eu te compreender.

Para! Ordeno-lhe que pares!
Teu escarnecer me encandeia,
Teu riso obtuso me escraviza,
Me joga aos céus e então aos mares
Mas em minha torpe mente não permeia,
Pois a ti minh'alma não é submissa,
Demônio de deboches dilaceradores,
Devolve minha vida e meus amores,
Tira de mim essas dores! - 
É vil minha súplica - 
A insanidade já me é oportuna.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Foge, amigo

Corre, amigo,
Corre pra não mais voltar,
Se eles dizem que são teu abrigo
Corre, pois esse não é teu lugar.

Corre e busca teu sol,
Busca o brilho nos olhos de quem se perdeu no azul,
Sê tu mesmo teu norte, mas busca teu sul,
Foge das sombras que são tua prisão,
Joga ao mar o peso que te assombra,
Canta aos ventos a tua canção,
Alimenta de luz teu coração
E quando tua voz sair de cada pulmão
Grita ao horizonte o silêncio,
Grita a paz ao céu imenso.

Se eles dizem querer tua paz,
É teu sangue que eles buscam.
Corre e não volta mais, amigo,
Irradia no caos, reluz,
Faz tu mesmo teu abrigo,
Teu caminho até as estrelas é de luz
Mas os espinhos deles são teu pior perigo.

Corre, amigo,
Compõe a canção do teu destino,
Toca teu coração como um sino,
Foge dos que se encontram com o desatino.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Espelho d'alma

Um reflexo...
Uma imagem,
Várias ondas...
Dois mundos separados e juntos
Pensamento e movimento
A sombra revela a alma,
Pequenos fragmentos soltos
Que se prendem ao pensamento
Transformam o vazio em calma,
Passeio por entre asas douradas,
Fontes de água pura, imaculadas,
Um mundo de éter e de sensação,
Como estrelas fixas no chão
A luz e a cor me encaminham,
O ouro adentra meu coração,
Mas o que é existir em dois mundos?
O que é correr para si mesmo,
A fim de fugir desses imundos,
Correr para um lar inexistente
Que inexiste ao meu redor...
Que inexiste em meu melhor,
Oculto no recôndito da mente,
Cores, flores, amores...
Solidão, canção, sensação...
Eu vivo por vagar aqui e lá,
Sou habitante de planetas diferentes
Onde olhos me vigiam gentilmente
E a lua me corteja a dançar,
Sou viajante de um mundo sozinho,
Sou morador de um universo próprio,
Quem sabe por quantos mundos já vaguei ao luar?
...Quem sabe quantos mais hei de criar?

terça-feira, 16 de julho de 2013

Diálogos solitários de liberdade


Me dê asas
E tudo que precisarei será um céu púrpuro
Um céu fechado e puro
Por onde possa voar
Acima das casas,
Das pessoas e dos muros
Sólidos e imóveis, sem futuro,
Despedaçados e desistentes,
Fracassados e sorridentes.

Permita-me ir longe,
Longe de ti ou de mim mesmo,
-Afinal quantos de mim cabem por trás de meus fundos olhos?-
Pergunto-me enquanto as nuvens me abraçam como em doces sonhos
E abrindo as portas do fundo de minha mente
Mil espelhos me encaram amargamente
Mil espelhos - cada qual com seu semblante diferente.

Acompanhe-me,
Mas deixe-me só.
Quero a ti ao meu lado,
Mas não quero que me sigas.
Desata este nó
Que o destino fez para nos unir
E segurando firme em meu braço
Veremos o quão longe podemos ir.

Me ajuda a recriar os dias,
Faz da noite tua moradia
E permita que a Lua seja tua guia,
Como um olho a te reger por entre o escuro,
Faz da arte teu porto seguro.
Vive comigo na neblina da poesia
E serás mais um de mim, quem sabe, algum dia...

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Ideal inexistente

E na solitude caminhava por estes caminhos incolores da vida
E por ser só nada mais via que borrões aéreos, formas inibidas,
Nuvens cinzentas a fraquejar por entre os céus pálidos,
Nuvens soturnas que vagavam a procurar um brilho cálido.

Tive então certa razão concebida por meus pensamentos,
Neste mundo vago vagamos sós junto ao sofrimento
E este - ao estar sempre conosco - sempre nos deixa a esmo,
E portanto havia de criar o ideal por mim mesmo.

Dei-lhe forma, não física, mas podia senti-lo com meus dedos,
Talvez um anjo que aos outros pudera causar medo
Mas dei-lhe olhos de neblina, que fitavam a mim, sem pausa,
Esses olhos enevoados, espantados, de frias causas.

E via nesse brilho um tanto apagado um tom de agradecimento
E recebia, um tanto acanhado, asas que lhe dera a seus pensamentos
Para que junto a mim pudesse voar na amplitude de um devaneio
Para que junto a mim fosse o único, fosse aquele ao qual sombreio.

E com felicidade reprimida sorria em semblante dócil, esperançoso
E com minha alma o abracei, sentindo um ar misterioso,
Ar de quem sentia por mim tal amor etéreo,
Aquele amor que havia outrora o dado em sigilo e mistério.

E seus cabelos como ondas do mar eu sentia ao meu toque,
Como ondas do mar cortejadas pelos gracejos de um vento forte,
E eu sabia que por dar-lhe som, cor e amor estava condenado à dor
Porque enquanto tudo ao meu redor coloria, minha própria existência esvaecia,
Pois o sofrer de não poder fazer-lhe existir
Fazia a mim mesmo por entre aquelas sombras sumir.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Uma visita à psique

Aproxime-se, cavalheiro, 
Ou dama, seja o que for. 
Adentre os portões de minha cidade 
Entenda que não possuo maldade, 
Se lhe pareço sorrateiro 
É porque não conheces ainda minha dor. 

Venha, senhorita ou nobre cavalheiro, 
Não tropece nas minhas incertezas, 
Tome cuidado com os poços rasos, 
Eles podem parecer vagos 
Mas o mínimo devaneio 
E estarás em suas profundezas. 

Acompanhe-me, mademoiselle ou monsieur, 
Atravesse este portal 
E estarás dentro de meu singelo lar, 
O único que existe neste lugar, 
Onde posso soturnamente viver 
Na tal confusão astral. 

Conte-me, respeitável ser, 
Que sentes ao me ver? 
Quem sabe pena, ou medo, talvez? 
Ou vontade de ver-me outra vez? 
Ora, pois sinto-lhe dizer, 
Já é chegada a hora de desaparecer. 

Pois bem, honorário ou honrosa, 
Vos digo, 
Para não correres perigo 
Leva contigo esta rosa, 
Única por entre essa escuridão, 
Leva-a junto a teu coração 
Para que tenhas algo meu contigo, 
Dou-te um beijo de adeus então, 
Que nos encontremos outro dia, fora do chão.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

As ruas da poesia

Folhas caem, e o que mais poderia eu dizer?
Folhas caem, e eu não sou capaz de impedir o tempo de escorrer.
As areias luminosas esvoaçam pelo vento,
E em nuvens de poeira me pegam desatento,
E ao olhar para trás...
Somente um vazio.
Somente aquilo que sobra após o caos,
Escombros de um mundo pueril.
Ora, mas que dimensão maravilhosa toma a vida!
Que curva majestosa a que ela contorna decidida!
E quem sabe, em cada esquina dessa vasta imensidão que temos por mundo
Possa encontrar aqueles jardins que outrora cultivei nos meus mais belos sonhos
E entre cores e flores voava meu pensamento, soturno
Nadando nas águas claras de um rio de pureza,
E que fique claro que tenho a mais tenra certeza
Que um mapa hei de traçar
E cada canto desse mundo de poesia desvendar
E serei então viajante eterno da essência de meu existir,
Afinal, o perfume daquelas rosas em mim ainda pode resistir.

Fora do túmulo

Havia há muito sido colocado a sete palmos abaixo daquele chão, onde nem os vermes quiseram tocá-lo, talvez por ojeriza, ou talvez por qualquer outro produto em que o defunto tivesse sido imerso. Mas ali estava, alguns dedos corroídos, com os ossos de fora, tateando o chão do jardim, transformado em cemitério pela única pessoa que compareceu a seu sepulcro, o Padre, e puxando com todas as forças possíveis para poder se livrar daquela quantidade de terra que o cobria. Cambaleava sobre as pernas pálidas que apareciam entre os rasgões da calça velha que vestia, seus braços caídos jogavam seu peso para a frente de seu corpo, o que fazia com que tropeçasse por várias vezes durante o caminho. Chegando aos três degraus da pequena escada que antecedia a entrada da grande casa gótica de madeira e de uma atmosfera pesada e inexplicavelmente fascinante, seu pé batia sobre o chão o fazendo cair sobre o assoalho. Foi arrastando-se até a entrada, onde a porta pendia por uma só dobradiça, a empurrou com sua força que ainda restava, derrubando o que sobrou daquela porta para dentro, causando um terrível barulho digno dos mais terríveis pesadelos. Ia, arrastando-se através do chão, cheio de buracos e poeira, até que suas forças cessaram e por ali ficou, como se finalmente tivesse morrido, como havia acontecido antes. Naquele mesmo local. Naquela mesma casa. Daquele mesmo jeito. Mas que persistência possui o sentimento! Que bela força surgiu, para que naquele momento tomasse impulso suficiente capaz de erguê-lo totalmente do chão e fazer com que andasse, mesmo que lentamente, em direção ao velho piano, coberto por teias de aranhas e decorado por buracos que os insetos foram capazes de fazer naquele período de tempo. Sentou-se no banco, que rangeu como se estivesse espantado com sua presença de volta àquele local. Seus dedos cadavéricos e sem pele percorriam as teclas do piano, tocando a mais horrenda melodia, como uma marcha que encobria o velório de algo, ou alguém, de muita importância no mundo material, talvez do próprio, ou talvez daquele que há muito havia sido enterrado nas mais profundas terras das regiões mais inexploráveis. O amor. Sim, aquele estava, como o próprio projeto de morto-vivo, ali colocado, apertando as notas enquanto a poeira subia e as teias se desgrudavam dos cantos do piano, enterrado e jogado aos vermes. Mas como esses dois personagens formam-se em um só, ali estava o amor, feito em pedaços, mas vivo, tocando suas notas macabras naquela casa vazia e de aspecto tenebroso. Por quanto tempo ainda há de resistir? Por quantos séculos suas notas soarão nos corações dos que sabem ouvir? Até quando sua vitalidade duraria? Isso ninguém poderia me responder.

sábado, 8 de junho de 2013

Uma flor em meio ao fogo


Diz-me se há saída,
Se no fim dessa dolorosa tormenta
Há algo que se chame de "vida",
Se no escuro do inferno
Uma luz acalenta
E nos chama, sedenta
Clamando por algo que em meio ao caos
Não tem-se conhecimento atento

Nos tempos de insano desalento
Possa chamar-se de paz


Que me resta, senão torcer-me compulsivamente
A fim de escapar desta fera

Que aos poucos devora as faculdades de minha mente
E em instantes toma-me por completo
A ponto de nem mesmo uma imagem refletida
Ser retrato fiel desta alma contida
E perseguida por tamanha escuridão


Onde estaria o brilho incomum das estrelas infinitas
Que outrora via-se em aura, incontidas
A encandear a morbidez da vida
Fugindo nas asas da noite descrita
Para onde jamais chegaria nossa vista

Onde encontrar o sentido dessa explosão
Ou somente algo que conforte o coração
Quem sabe pelo menos o que se conhece por "paixão"
Para que ileso possa escapar dessa confusão?

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Dama de meus dias

Que seria da vida sem monotonia?
Que seria, sem o cinza, de meus dias?
Um vazio que gera vazio
Um mais vazio que gera devaneio.
Guardo nas gavetas de minha mente,
No mais profundo sono, debilmente,
Aquelas fotografias frias,
Retratando a superada melancolia,
Melancolia dos distantes dias
Em que sem perceber, no mínimo som
Dançava nos salões da poesia
Um coração que das trevas fugia
(Mas ora, como fugir da sombra
Se do sol você se esconde?)
Agora procuro-te
Apesar de não saber por onde
Agora imploro-te por aquelas asas,
Pois encontro-me embriagado
Vagando pelas ruas da realidade,
Como que deixado de lado por crueldade
(Talvez uma crueldade de mim mesmo,
Afinal, joguei minhas asas a esmo)
E então, onde anda, deusa primordial
Imortal, celestial, angelical,
Me leve a um passeio mental,
Ou a um simples estado sentimental
Onde pudesse encontrar-te e pedir-te perdão,
Bela dama, inspiração.


-Marcos

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Só - Edgar A. Poe


Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.