quinta-feira, 7 de julho de 2016

Gradual, como o dia que morria

     A gradual queda da temperatura do quarto anunciava a chegada da noite. Este era o meu único indício de tal -desde que as janelas estavam fechadas há dias. Minhas mãos agora eram geladas e vazias e procuravam angustiadas pelo menor fio de esperança para segurar. Mas não havia. Não havia mais nada ali para mim. Sabendo disso, entretanto, ainda insistia. Aquele quarto vazio e gélido já não dava frutos para colher. Mas ali estava eu. Poderia culpar a inércia, mas de que me serviria, se no final eu mesmo que não possuía o conhecimento da direção para sair dali? Meu corpo já não levantava. Olhava para antigas imagens dentro de minha cabeça, passava por elas, cores tão vivas, fragrâncias que inebriavam, luzes que suavizavam e iluminavam. E abria os olhos, e enxergava aquele vazio. Lembrava-me das memórias distantes, quase pueris de tão oníricas, e sentia-me carregado por aqueles ventos. Mas apenas a lembrança não me traria de volta à vida. Eu estaria sozinho de qualquer maneira. A mera lembrança da mão amiga que um dia me guiou até os sonhos mais vívidos agora se esvaia lentamente enquanto eu observava, sem nada poder fazer. Seguia em uma busca vazia por um coração cheio que inspiraria o meu a se encher novamente. Mas não havia. Não há como buscar. Somente eu mesmo poderia enchê-lo. Mas não havia essência, não havia alma! Deus do céu, aquela caixa vazia que eu ainda mantinha no peito, haveria de transbordar-se novamente algum dia? As pequenas distrações apenas afastava-me de mim mesmo. Por que eu ainda as ouvia? Não havia mais vozes. Até mesmo o que era ruim havia se afastado, para o menor alívio. Uma frequência quase imperceptível emanava de mim, tentando alcançar o céu mais uma vez. Mas o céu havia se fechado. Nem mesmo as nuvens se moviam mais. Nem mesmo a chuva caia em meu rosto. Meus pés não tocavam o chão, mas minha altura não alcançava o céu. O chá morno despertava um leve gosto amargo. Minha cabeça já não pensava. Meu coração já não sentia. A gradual queda da temperatura da vida anunciava que era hora de mover-me.