domingo, 31 de janeiro de 2016

Cidades Insones

As luzes seguiam acesas e as cidades ainda não dormiam. O silêncio devastador, a rua quase deserta, apenas com alguns poucos e meros habitantes de seus próprios mundos arrastando-se como arrastavam-se os pensamentos mais sórdidos em sua cabeça. Desejava sentir-se vivo, mas as imagens se repetiam como as luzes que passavam indiferentes na velocidade alta de seu carro. A cidade -febril por dentro, congelante ao toque- convidava-o para a introspecção. E o tempo escorria, o dinheiro escorria, a vida escorria diante de si. A vida voava na terrível velocidade de uma bala, que a qualquer momento poderia encontrar seu obstáculo final. As decisões o embriagavam e o abatiam como uma ressaca escura. Poderia ter continuado, não sabia o quanto tinha sorte. Mas em um segundo de loucura, um momento de distração e jogou tudo ao alto, vangloriando-se de seu ato de coragem. Mas agora carregava nas costas o peso terrível de sua decisão impensada. O despertador, que marcava as horas para que voltasse a vida que não era sua, o encarava como a tesoura que se aproximava mais e mais, pronta para cortar a tênue linha de sua liberdade. "Você precisa se ocupar", disseram a ele. "Não fazer nada vai te levar à loucura. Você precisa ocupar sua mente". E de fato, aquele trabalho não só ocupava, como tomava sua mente, sua vida, sua consciência. As obrigações se nutriam de sua vida como enormes sanguessugas das quais não poderia livrar-se devido à extrema fraqueza. E a vida pesava, arrastava. Via as cidades na terra -apenas luzes e alguns corpos vagando sem vontade. Via as cidades que passavam no mar, e essas lhe pareciam alegres, festivas, iluminadas. E da mesma forma que vinham, iam, sem que pudesse ter a chance de perceber mais um detalhe qualquer daquela utopia ofuscante. Sua cabeça latejava. Muita coisa havia acontecido ao seu redor. Alguns se perderam pela vida, outros perderam pela vida. E tudo que queria era ver a vida escorrer em vermelho novamente. Mas não haveria de repetir tudo isso, não depois das marcas que já não sairiam de si. Não havia motivos nem vontade. Apenas um amontoado de momentos que tentava transformar em bons, mas falhava. Falhava porque lhe faltava vida. Falhava porque não lhe haviam deixado sentir tudo que precisava sentir. Falhava porque haviam lhe roubado a vida.

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