sexta-feira, 17 de abril de 2015

Notas de sangue

O brilho da navalha encarava minha estúpida carne com frieza. Ria para si, e dizia, irritante e repetidamente, "chegue perto, é a mim que você quer, não é?". Insinuava-se com seu maldito sorriso. O coração debatia-se em desespero, como se quisesse escapar daquele horror causado pela negra angústia que se acumulava friamente em meu estômago e parecia querer escapar pela garganta como a vomitar minha própria existência para longe, e vê-la sumir no esgoto mais sujo que eu pudesse encontrar vagando pelas escuras e inóspitas ruas. Três socos. Três rudes socos que minhas mãos, que naquele momento pareciam ter minha consciência mais sensata, desferiram em meu rosto. O sangue e as lágrimas pareciam correr para longe de mim, como alguém que foge daquilo a que tem asco. É como se estar no próprio chão, sujo e úmido, fosse mais agradável que estar dentro de mim, sentindo o cheiro podre de humano que exala de todas as minhas escolhas equivocadas. Talvez nem eu mesmo quisesse senti-lo, e por isso, a voz, cada vez mais alta, aos risos e gritos, se inquietava na curiosidade de ver a fria lâmina de uma tesoura atravessando meus tecidos. Cortar o mal pela raiz. E o céu parecia cada vez mais distante. Encoberto de nuvens. E, aos poucos, meu sonho de voar esvaecia. Trôpego e ingênuo, morria lentamente em meus braços.

"Caro céu,
    a fria distância entre meu sonho de alcançá-lo e a terra, que meu egoísmo foi capaz de aumentar, corta minha pele com precisão e indiferença. Espero que, ao ver minha própria existência esvaecer-se assim, eu possa alcançar-te com mais facilidade. Espero que não esteja chovendo como eu estou. As nuvens escuras cobrindo tuas cores me fazem triste."

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