sexta-feira, 21 de junho de 2013

Fora do túmulo

Havia há muito sido colocado a sete palmos abaixo daquele chão, onde nem os vermes quiseram tocá-lo, talvez por ojeriza, ou talvez por qualquer outro produto em que o defunto tivesse sido imerso. Mas ali estava, alguns dedos corroídos, com os ossos de fora, tateando o chão do jardim, transformado em cemitério pela única pessoa que compareceu a seu sepulcro, o Padre, e puxando com todas as forças possíveis para poder se livrar daquela quantidade de terra que o cobria. Cambaleava sobre as pernas pálidas que apareciam entre os rasgões da calça velha que vestia, seus braços caídos jogavam seu peso para a frente de seu corpo, o que fazia com que tropeçasse por várias vezes durante o caminho. Chegando aos três degraus da pequena escada que antecedia a entrada da grande casa gótica de madeira e de uma atmosfera pesada e inexplicavelmente fascinante, seu pé batia sobre o chão o fazendo cair sobre o assoalho. Foi arrastando-se até a entrada, onde a porta pendia por uma só dobradiça, a empurrou com sua força que ainda restava, derrubando o que sobrou daquela porta para dentro, causando um terrível barulho digno dos mais terríveis pesadelos. Ia, arrastando-se através do chão, cheio de buracos e poeira, até que suas forças cessaram e por ali ficou, como se finalmente tivesse morrido, como havia acontecido antes. Naquele mesmo local. Naquela mesma casa. Daquele mesmo jeito. Mas que persistência possui o sentimento! Que bela força surgiu, para que naquele momento tomasse impulso suficiente capaz de erguê-lo totalmente do chão e fazer com que andasse, mesmo que lentamente, em direção ao velho piano, coberto por teias de aranhas e decorado por buracos que os insetos foram capazes de fazer naquele período de tempo. Sentou-se no banco, que rangeu como se estivesse espantado com sua presença de volta àquele local. Seus dedos cadavéricos e sem pele percorriam as teclas do piano, tocando a mais horrenda melodia, como uma marcha que encobria o velório de algo, ou alguém, de muita importância no mundo material, talvez do próprio, ou talvez daquele que há muito havia sido enterrado nas mais profundas terras das regiões mais inexploráveis. O amor. Sim, aquele estava, como o próprio projeto de morto-vivo, ali colocado, apertando as notas enquanto a poeira subia e as teias se desgrudavam dos cantos do piano, enterrado e jogado aos vermes. Mas como esses dois personagens formam-se em um só, ali estava o amor, feito em pedaços, mas vivo, tocando suas notas macabras naquela casa vazia e de aspecto tenebroso. Por quanto tempo ainda há de resistir? Por quantos séculos suas notas soarão nos corações dos que sabem ouvir? Até quando sua vitalidade duraria? Isso ninguém poderia me responder.

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