Havia há muito sido colocado a sete palmos abaixo daquele chão, onde nem
os vermes quiseram tocá-lo, talvez por ojeriza, ou talvez por qualquer outro
produto em que o defunto tivesse sido imerso. Mas ali estava, alguns dedos
corroídos, com os ossos de fora, tateando o chão do jardim, transformado em
cemitério pela única pessoa que compareceu a seu sepulcro, o Padre, e puxando
com todas as forças possíveis para poder se livrar daquela quantidade de terra
que o cobria. Cambaleava sobre as pernas pálidas que apareciam entre os rasgões
da calça velha que vestia, seus braços caídos jogavam seu peso para a frente de
seu corpo, o que fazia com que tropeçasse por várias vezes durante o caminho.
Chegando aos três degraus da pequena escada que antecedia a entrada da grande
casa gótica de madeira e de uma atmosfera pesada e inexplicavelmente
fascinante, seu pé batia sobre o chão o fazendo cair sobre o assoalho. Foi
arrastando-se até a entrada, onde a porta pendia por uma só dobradiça, a
empurrou com sua força que ainda restava, derrubando o que sobrou daquela porta
para dentro, causando um terrível barulho digno dos mais terríveis pesadelos.
Ia, arrastando-se através do chão, cheio de buracos e poeira, até que suas
forças cessaram e por ali ficou, como se finalmente tivesse morrido, como havia
acontecido antes. Naquele mesmo local. Naquela mesma casa. Daquele mesmo jeito.
Mas que persistência possui o sentimento! Que bela força surgiu, para que
naquele momento tomasse impulso suficiente capaz de erguê-lo totalmente do chão
e fazer com que andasse, mesmo que lentamente, em direção ao velho piano,
coberto por teias de aranhas e decorado por buracos que os insetos foram
capazes de fazer naquele período de tempo. Sentou-se no banco, que rangeu como
se estivesse espantado com sua presença de volta àquele local. Seus dedos
cadavéricos e sem pele percorriam as teclas do piano, tocando a mais horrenda
melodia, como uma marcha que encobria o velório de algo, ou alguém, de muita
importância no mundo material, talvez do próprio, ou talvez daquele que há
muito havia sido enterrado nas mais profundas terras das regiões mais
inexploráveis. O amor. Sim, aquele estava, como o próprio projeto de
morto-vivo, ali colocado, apertando as notas enquanto a poeira subia e as teias
se desgrudavam dos cantos do piano, enterrado e jogado aos vermes. Mas como
esses dois personagens formam-se em um só, ali estava o amor, feito em pedaços,
mas vivo, tocando suas notas macabras naquela casa vazia e de aspecto
tenebroso. Por quanto tempo ainda há de resistir? Por quantos séculos suas
notas soarão nos corações dos que sabem ouvir? Até quando sua vitalidade
duraria? Isso ninguém poderia me responder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário