domingo, 22 de junho de 2014

Esquece-me ou devoro-te III

    Corri por incríveis três minutos sem perder meu vigor ou esboçar qualquer sinal de fraqueza ou cansaço. Apesar disso, senti uma força adentrar em meu peito e automaticamente me derrubar ao chão, fazendo-me cair de joelhos. Com a cabeça baixa eu sentia todo aquele vigor de antes esvaecer como que um sopro apagando a chama de uma vela. A extrema e repentina fraqueza tomava conta tanto de meu corpo quanto de minha mente, eu queimava de dento para fora, meus olhos ardiam e minha mente misturava todas as imagens de meu subconsciente como quem remenda pedaços de tecido um no outro, lançando-o ao vento e fazendo todas aquelas cores serem misturadas, como em uma dança frenética e doentia. O aspecto febril de meu corpo já me causava fortes náuseas, e juntamente inexplicáveis alucinações. As paredes pareciam fitar-me, mexiam-se, tinham feição, tinham personalidade, tinham vontade própria. A essa altura, encolhido ao máximo que meu corpo permitia, girava minha cabeça impulsivamente buscando um alívio para tudo aquilo - foi em vão meu esforço. A tontura já tirava meus pés do chão e eu já perdia qualquer vínculo com qualquer resquício de realidade naquele mórbido labirinto de ilusões. O fervor de meu corpo já não era mais perceptível - repito que havia perdido qualquer vínculo com a real percepção - e eu achava-me em um imenso vácuo, não havia chão, não havia qualquer indício de realidade, mas lá eu estava em meio às súbitas cores que piscavam freneticamente em intervalos maiores ou menores, entre a fumaça que me envolvia, apertava meu corpo e ia embora, entre as pedras que caiam incansavelmente sobre meu corpo deixando-o extremamente dolorido mas não o suficiente para que eu me queixasse da mesma. De repente, cessou-se qualquer movimento e eu me via sentado, abraçado às minhas próprias pernas, em um cômodo escuro com apenas uma grande luz que se originava do alto de minha cabeça iluminando-me, como num interrogatório. Formas indefinidas, vultos pairavam, rodavam, corriam por todos os cantos em uma velocidade que meus cansados olhos não podiam acompanhar. Uma espécie de pavor e tristeza se apoderava de mim naquele momento. Um murmurinho foi aumentando gradativamente de tom, passando do imperceptível e perturbador som de vozes desconhecidas falando apressadamente o que minha audição não podia compreender até a grave tonalidade que aquelas palavras tomavam, me atingindo como flechas. "Covarde! Larga-te a ti mesmo em tua própria escuridão!" gritava uma das vozes. Entre ela, outras seguiam entrelaçando-se, eram dezenas de vozes acusando-me, e aquilo me feria não apenas mentalmente como também fisicamente. "Vejam só que fracasso de existência! Abandona tua vida, infeliz!" "Ha! Ha! Ha! Pensas mesmo que podes continuar a existir, ocupando a preciosa matéria do universo? Tolo!" "Pois abandonaram-te enfim, torpe ser! Já não era hora de desistirem de tua mediocridade!" "Indigno! Prova do veneno de tua miséria e morre entre as paredes de tua solidão!". São apenas estas as acusações das quais me recordo no presente momento - minha cabeça dói - mas haviam ainda milhares de outros insultos, doloridos e flamejantes. A rispidez das palavras me atingia a cabeça. O escárnio escorria da minha cabeça, se espalhando pelo meu rosto, pingando em meu corpo e no chão. O cheiro férreo da dor tomava conta daquele lugar. Minhas mãos manchadas em vermelho tremiam. Meu corpo enfraquecia aos poucos enquanto tudo ao meu redor girava em uma velocidade incapaz de ser medida, enquanto os gritos tornavam-se tão altos e intensos que já tornava-se incapaz de distingui-los. De acordo com que a intensidade dos fatos acelerava e aumentava, a sala ia ficando mais e mais branca, até que um flash intenso trouxe-me de volta à sanidade. Eu estava ainda ajoelhado, levei minhas mãos ao rosto e elas estavam limpas. Minha cabeça doía enquanto eu tentava entender o que acontecia. Olhei ao meu redor e as mesmas paredes negras permaneciam sólidas, em silêncio, como quem quisesse esconder algo de mim. Levantei-me e furioso fui de encontro à parede "Maldita!" exclamava em minha ira "Conta-me o que sabes! Tu, que me olhavas até agora, diga-me o que escondes de mim!". Minha força - que então já era pouca - exauriu-se naquele momento. Esbaforido, atirei-me ao chão e dos meus olhos atiravam-se lágrimas. Algum tempo depois, a voz que guiou-me até ali surge novamente.
   -Ha Ha Ha! Vês agora do que estou falando? Vês o poder que exerço sobre ti? Acreditas em mim agora, medíocre? Posso causar-te os mais terríveis pesadelos, mas também sou capaz de trazer-te os mais belos sonhos. Faça por merecer, e mostrarei a ti o paraíso que carregas. Será que já dei provas o suficiente para que confies em mim ou preferes ainda encarar tua própria ruína?

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